Você já teve a impressão de que por mais que a gente fuja, as coisas que vivemos no passado sempre voltam para assombrar. E não tem muita coisa a ver com karma ruim ou bom, é perseguição mesmo. Quando achamos que estamos livres de uma memória que nos incomoda e nos faz um pouco mais tristes do que realmente somos, lá está ela à mostrar seu sorriso amarelo e a nos dizer o quanto está viva. Nem Eddie vedder cantarolava "I´m still alive....", com tanta força.....
Acho que é isso que se passou na cabeça de Roger Waters ao escrever a maioria (todas na verdade) das músicas desse disco.........THE FINAL CUT, de 1983. O último disco do Pink Floyd como banda, não tinha nada para ser um disco com final feliz. A banda estava se atracando desde 1975 e no início dos 80 já não se aguentava mais, tanto que na contra capa do disco há uma nota que diz que a obra é de Roger Waters, executada pelo Pink Floyd. Os admiradores do Gilmour vão dizer que a megalomania de Waters atingia picos maiores que os da Globo, mas uma coisa não dá para negar, Final Cut é um baita disco.
Para começar todo o disco é tomado por uma aura de desespero que deixa The Wall parecendo um conto de fadas, e olha que haja psicologia para poder entender todos os traumas que o disco de 1979 trazia. Mas o clima denso que corre por exemplo pelas faixas Paranoid Eyes (apesar da linda melodia) e Your Possible Pastes é de cortar a espinha.
O disco tem como tema a homenagem final de Waters ao seu pai Eric Fletchers Waters, que lutou na Segunda Guerra e se The Wall falava sobre o trauma de perder o pai entre todos os outros, esse disco traz toda a revolta depois dos tempos de choro. The Fletcher Memorial Home, Not Now John (talvez deliberadamente a música mais pop do Pink Floyd nessa fase), são respectivamente críticas ferrenhas aos governantes (Waters criticava abertamente a Inglaterra pela Guerra das Malvinas) e ao capitalismo. O disco foi desenganado por todos, a crítica o recebeu como um trabalho pequeno, os fans que estavam sedentos por mais carne depois da crucificação de Waters em The Wall, ficaram se sentindo enganados e até hoje qualquer fã ferrenho vai dizer que esse disco é pequeno dentro da obra. Mas talvez todo mundo tenha se esquecido de como é desconcertante escutar esse disco. Desde as primeiras notas de The Post War Dream até as últimas de Two Suns In The Sunset, a apocalíptica faixa que profere o fim do mundo num holocausto nuclear, é impossível não sentir aquele gosto amargo de claustrofobia, aquela sensação de que você está sem saída. Todas as faixas são de uma melancolia tocante, mas que não faz do disco triste muito menos uma choraderira sem fim. Apesar de todas as brigas (que acabaram em um tribunal pela posse da banda...), tanto David Gilmour como Nick Mason (Richard Wright foi despedido por Waters depois de The Wall), estão em excelente forma. Aliás a bateria de Mason mesmo não tendo as famosa viradas de Live At Pompei ou Middle são precisas como uma Hattori Hanzo e Gilmour, apesar de cantar apenas uma música definia definitivamente como sua guitarra seria importante por todo o resto da história do Pink Floyd.
Os críticos e fans sempre disseram que este foi o primeiro trabalho solo de Waters, eu não acho.
The Final Cut é na verdade um documento desesperado de uma banda que estava morta desde que tinha voltado da guerra. Como um soldado, cheia de conflitos internos e despedaçando-se, a única diferença é que isto foi feito na cara de todo um público, na forma de maravilhosas canções.
Notas e citações......
“Bem, isto foi sempre o meu objectivo durante anos, ou seja sempre foi um dos meus objectivos, que tudo o que se fizesse, fosse equilibrado. Disse-o centenas de vezes até chatear – o que conta é o equilíbrio entre as palavras e a música, e eu penso que foi isso que se perdeu em “The final cut”.
- David Gilmour, à Rádio Australiana em Fevereiro de 1988
"Foi uma tristeza fazer “The final cut”, mesmo tendo-o ouvido depois e gostado de grande parte, não gosto da maneira como cantei. Consegue-se perceber a tensão louca por todo o álbum. Se tentas expressar algo e não consegues fazê-lo por estares tão nervoso... Foi uma época terrível. Nós discutíamos como cães e gatos, começando a perceber ou antes a aceitar que não havia banda. Na verdade estava a ser-nos imposto que nós não éramos uma banda, e que não o éramos há já muito tempo, pelo menos desde 1975, quando fizemos Wish you were here. Mesmo nessa altura havia grande desacordo sobre o conteúdo e sobre como fazer o álbum [...] Venderam-se 3 milhões de cópias, o que nem era muito para os Pink Floyd, e como consequência David Gilmour disse: “Aí está, eu sabia que ele estava a fazer tudo errado”. Mas é absolutamente ridículo julgar um álbum apenas pelo número de vendas. Se vamos usar as vendas como único critério, isso faz de Grease um álbum melhor que Graceland".
Roger Waters, Junho de 1987, a Chris Salewicz
Faixas:
No álbum original
- "The Post War Dream" - 3:02
- "Your Possible Pasts" - 4:22
- "One of the Few" - 1:23
- "The Hero's Return" - 2:56
- "The Gunner's Dream" - 5:07
- "Paranoid Eyes" - 3:40
- "Get Your Filthy Hands Off My Desert" - 1:19
- "The Fletcher Memorial Home" - 4:11
- "Southampton Dock" - 2:13
- "The Final Cut" - 4:46
- "Not Now John" - 5:01
- "Two Suns in the Sunset" - 5:14
Ficha Técnica:
The Final Cut (1983).
Gravado entre julho e dezembro de 1982.
Produção: Roger Waters, Michel Kamen, James Guthrie
A banda: David Gilmour (guitarras e vocal em Not Now John);
Roger Waters (baixo e vocais);
Nick Mason (bateria).
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