19 julho 2009

GD 52....A MENINA DE CABELOS CRESPOS E SAIA PRETA..........


O dia todo passou com uma sensação estranha de domingo. Havia um clima mais que bucólico no ar de São Paulo nesse dia 18. Talvez fosse por causa das mudanças de clima ocorridas, afinal de contas o sol que nasceu pontualmente as seis horas da manhã, acabou se escondendo depois. Teimando voltar a dar as caras durante toda a tarde, mas com uma leveza de energia que quase não era percebido. E quando no início da noite se despediu sendo levado pelo vento gelado de inverno, foi como se estivesse dizendo a todas as pessoas que iria começar um cataclisma sonoro em alguma parte da cidade. E assim se fez.
Nas horas que antecederam a apresentação de Cat Power no Via Funchal, o céu desandou a chorar copiosamente, e a chuva acabou castigando quem não havia levado guarda-chuvas ou estava ainda tentando retirar seu ingresso comprado pela internet. Diante das reclamações de sempre quanto à organização do evento, e contra o departamento de meteorologia do firmamento, os primeiros passos de todos naqueles metros quadrados eram de espera. Em todos os rostos havia uma expressão de pré-Katrina, como se todos lá já esperassem algum tipo de acidente bíblico ou de alguma tormenta imparavel. Mas mesmo assim a entrada seguiu-se sem tropeços. Nem a famigerada exigência de Chan de não permitir câmeras dentro do recinto estava sendo levada às últimas consequências, com você pode perceber pelas fotos tiradas do show, aqui postadas. E por falar em fotos, isso é mérito exclusivo de Karina. Além da dedicatória deste blog, ela merece muito mais beijos depois dessas fotos e desses dois filmes que mostraremos por aqui. Porque tirar uma foto ou fazer um vídeo sem que Chan Marshall furtivamente se escondesse atrás da bateria, ou virasse as costas foi quase uma missão herculínea. E como se viu depois captar à emoção dela foi uma tarefa para poucos e que apenas no final do show foi feito sem força ( mas isso é apenas pro fim).
De entrada fácil, as acomodações mais fáceis ainda. Mas aquele clima de tormenta teimava em não passar. As reclamações de como é pssível se fazer um show "indie", com cadeiras e mesas mostraram-se desnecessárias devido ao que se viu depois.
Palco simples demais. Baixo, bateria, guitarra e um teclado quase que se fundindo em posição, invertendo Newton completamente. Apenas as luzes da casa faziam sombra nas pessoas que ainda se acomodavam. Alguém se aproxima dos instrumentos e coloca dois incensos (um na bateria e outro no vibrafone) e sai, retornaria ao palco depois para colocar uma vela em cima do piano e sairia assim calado de lado, quase se desculpando por entrar, mas com passos firmes de quem está lá para realizar uma missão importante para a formação dessa tempestade.
Alguns minutos depois das dez horas, as luzes da casa vão lentamente morrendo. Pronto, já era possível perceber a formação de pesados cúmulos em torno do céu do palco. Os primeiros raios começam quando entram em cena THE DIRTY DELTA BLUES. O guitarrista Judah Bauer (do Blues Explosion), o tecladista Gregg Foreman (do Delta 72), o baixista e vibrafonista Erik Paparazzi (da Lizard Music) e o baterista Jim White (do Dirty Three) se posicionam, os aplausos crescem em intensidade e a tempestade se precipita. Quando de repente todos esperavam um raio dos mais poderosos, entra em cena uma menina pequena, quase frágil a ponto de se quebrar por completo com um sopro. Tímida, calçando seus sapatos masculinos brancos, seu jeans apertado e uma camisa levemente desabotoada com uma gravata no pescoço. Ela olha ao redor, sorri timidamente, um aceno.....mais nada. Ela parece não entender o tamanho das coisas, e talvez isso se deva pela sua própria estatura pequena. Por um momento eu tenho a impressão que ela vai correr de tudo aquilo. De repente, os acordes de THE HOUSE OF THE RISING SUN iniciam-se. Ela abre a boca e solta a primeira nota, um silêncio mortal invade o lugar. Você consegue perceber que a voz da menina começa a preencher o espaço......as notas vocais descem pela beirada do palco e se misturam as mesas e cadeiras. Funde-se com os ouvidos e corpos de todos...um a um....nossos cérebros são tomados pelo timbre, e ele se espalha. No segundo verso é possível sentir a vibração da garganta de Cat Power tomando o quarteirão inteiro da casa de shows. A voz dela se fundiu e costurou uma amarra dentro de todos presentes. Era como se uma onda que começa pequena fosse tomando proporções jurássicas e arrebentasse de uma vez inundando o lugar. É incrível ver como é possível uma menina tão frágil aparentemente cantar com uma força capaz de fazer desabar um estádio inteiro. Em vários momentos nessa primeira parte do show não haveria explicação lógica para saber de onde é que saía toda aquela voz. Mas a cada clima dissonante, a cada nota e a cada expressão a única certeza era que a tempestade havia chegado.



O show percorreu climas, passou por camadas cada vez mais densas. Foi baseado muito em todos os covers dela dos dois discos THE COVERS RECORD e JUKEBOX, versões assombrosas de Don´t Explain (gravada por Nina Simone e Billie Holiday), Fortunated Son, Lost Someone, Lord Help The Poor And Need, Rambling (Wo) Man e Sea Of Love (que merece uma observação por ter ficado melhor que a versão açucarada que Robert Plant fez), estavam mostrando a todo mundo presente que não havia como sair daquele sensacional furacão pesado. Mas havia junto com isso uma sensação de desapego maior ainda. As poucas palavras de Cat para a platéia que urrava a cada música, eram mais exacerbadas ainda quando ela passava a maior parte do tempo imersa dentro do seu mundo. Cat Power canta em transe. Muitos dos momentos em que ela se colocava na lateral do palco (onde passou a maior parte do show), pode-se ver claramente que ela cantava em outro planeta. Ela estava em algum lugar muito longe onde ela captava sua voz e a despejava, cada vez mais poderosa pelo público. Mesmo a toda hora fazendo obsevações quanto ao volume do seu microfone (a briga pessoal dela com o som era uma das tiradas á parte no show....). Estava tudo se encaminhando para apenas um show aonde o artista canta, deixa marcas e se vai. Mas como se fosse mandada pelos céus para acalmar a tormenta, surge a garotinha de saia preta e cabelos crespos.........
Foi um lance daqueles que você só vê se acompanhar desde o começo. Chan estava na lateral direita do palco em seu mundo. E essa menina audaciosa se aproxima, com a vontade e força de chegar perto de Cat Power inesgotáveis. Seria um embate entre duas grandes forças da natureza. De um lado uma voz rouca de trovão do outro uma inabalável determinação. A menina se aproxima e encara Cat, a cantora que até então fugia de todas as câmeras para e olha de volta. A menina se aproxima com um pacote escuro em suas mãos e o leva na direção da cantora. Cat Power ainda meio que sem jeito se aproxima e pega o embrulho, você podia sentir um raio de força cortar as duas meninas pequenas na beirada daquele palco. A menina fala alguma coisa para Cat, ela não ouve e se aproxima dela. Por um momento acontece aquele fenômeno em que o tempo corre mais devagar dentro da matrix e Chan Marshall delicadamente coloca sua mão no ombro da menina que lhe fala algumas palavras. Cat sorri e acaricia a garota de cabelos crespos, nesse exato momento a densidade cai por terra. Não existe mais exigências de não se filmar, não existem mais amarras para toda a força de sentimento que foi delicadamente surrada dentro do coração e alma de todos os presentes. A menina de cabelos crespos dobrou Cat Power, a partir daí a cantora que já estava despejando a alma no palco, deixava seu coração cair pela primeira vez ao lado da caixa de retorno. E depois disso ela distribuiu tudo que que tinha de alma e coração por notas cada vez mais bem tocadas pela banda, que é um espetáculo à parte tamanha a competência musical e de improviso que eles despejam.
Seguiram-se as músicas do disco The Greatest, como The Moon, Greatest, Live on Bars. Todas num clima de bar sujo de jazz e blues, fazendo a voz rouca de Cat se destacar cada vez mais. Mas ela já estava com a alma em comunhão no palco. Visivelmente emocionada, continuou despejando as notas num crescente absurdamente impalpável.



E tudo se aglutinou para o fim apocalíptico, nem mais nem menos. Quando os primeiros acordes de Anjelitos Negros começaram a inundar o espaço da casa de shows. Podia-se ouvir o barulho da água escorrendo pelos cantos das pias do banheiros. E a música final do show foi massacrante. Numa versão tão longa quanto a do disco, mas nada igual (aliás todas as músicas tocadas estavam com arranjos diferentes ) a banda e Cat Power entregaram-se de vez, não havia como diferenciar quem era quem porque o amálgama era sólido demais, era coeso demais. E ninguém saiu ileso dessa música. Foi certamente a que deu mais vontade de se matar com faquinha de bolo Pulmann, a música que mais emocionou a platéia e a que tirava de Chan a cada nota um pedaço de alma mais profundo. Ao final dela tudo dentro do Via Funchal era uma coisa só. Não havia mais diferenças entre os rostos, não havia mais separação entre o palco e o povo. E quando Cat se aproximou no melhor estilo Roberto Carlos com um balde de rosas brancas e com várias folhas de papel aonde estava o set list do show para mais perto do público, foi catarse pura. Ela ficou pelo menos dez minutos recebendo e doando sentimentos à beira do palco com as pessoas que a tocavam, pediam autógrafos (em vinis inclusive), levavam camisetas, levavam carinho. Era palpável e visível o quanto de esforço que ela fazia naquele momento para não descanbar num choro latente. Emocionada deixou o palco, mas levou com ela metade do coração de todos. Uma troca mais do que justa, já que naquele dia ela tinha deixado sua alma em cada um de nós.............




OBS: os prêmios do sorteio que será feito nessa segunda feira ou terça feira serão, um DVD do show da Cat Power na França de 2007 para o primeiro lugar e para o segundo comentário mais bacana um show do The Killers da turnê de Sam´s Town (quando a banda era bacana ainda hahaha)