Depois de muito fugir do assunto, confesso que por um pouco de medo sobre o que escrever sobre um disco que toda a vez que escuto a sensação é diferente, variando de mais intensa, para absurdamente acachapante. Mas descrever um trabalho quando você gosta tanto é sempre ruim, ainda mais por soar inúmeras vezes apenas exacerbação do gosto (ou puxa saquismo puro se assim ficar melhor.....), mas como a intençao é outra vamos lá......
Cena 1:
Menina de pele clara e cabelos negros, olhar de mescla mistério e mestiça caminha pelas ruas de São Francisco. Os ecos de Harvey, durante uma tarde de verão, rasgando por entre as calçadas. A menina passa por todas as casas, bares, lojas e capta cada raio de imagem possível, seu olhar atento, a leva a idéias cada vez mais concretas e possíveis. Não existem apenas sons e cores, luz e sombras, nada mais é impalpável, tudo se torna audível. Ela sorri e sente o ar se acomodar por entre os dedos.
Cena 2:
Inglaterra, Londres. Natasha Kan, nascida em 1979, mês de outubro, dia 25. Multi-instrumentista, cantora, compositora, cineasta, menina de pele clara. Voltando pra casa, novo nome, novas idéias, cores e sons. O caleidoscópio que se tornou sua alma já não cabe apenas dentro do corpo, é necessário algo mais. É preciso externar todas as mesclas de cores em algo que se possa sentir, que se possa guardar. A idéia virou rascunho, que se tornou um acorde, que virou um disco todo. FUR AND GOLD, de 2006. Já poderia ser tão enigmático quanto a trilha de AS VIRGENS SUICÍDAS, de 2000 que inspirou Kan, ou por qualquer filme que a tenha feito colocar algo de cinematográfico em suas canções. Mas isso seria só o começo..........
Depois do primeiro, nesse ano, 2009. Mais precisamente em abril. Bat For Lashes (pseudônimo de Natasha), remodelou as cores tornando-as muito mais densas em TWO SUNS.
Desde o início delicadamente doce da sua voz, que aos poucos se torna um mantra entoado por qualquer tribo indígena moderna. A batida toda quebrada consegue uma intensidade acima de qualquer expectativa que você tenha sobre um disco de cantora indie. Tribal e direta, intensa até a última nota. E se você não se convenceu que está diante de um dos melhores discos de 2009, feche os olhos e se vá com os sons.
Tudo muda em Sleep Alone, a tribalidade dá lugar a sons cada vez mais caoticamente organizados, uma levada mais palatável, mas nem por isso mais superficial, a voz de Kan continua hipnotizando, e flashes de Tori Amos, aparecem ao longe. Não seria exagero, dizer que PJ Harvey em seus dias mais calmos escutaria essa canção com um sorriso no rosto.
Chega das misturas, piano e vozes.....Moon And Moon. Ecos e planos longos, com em um filme de Kubrick, aonde as estruturas mais simples são as mais belas. Poética sem ser longa demais, certeira como um dia de chuva fina e cobertor, na porta de qualquer casa.
Daniel, obviamente seria uma canção de amor, mas com Kan, nada é tão fácil assim, lugares familiares, sonhos, camas de adeus, braços por entre o pescoço, batida simples mas cativante. Seria muito mais fácil se todas as músicas fossem simples e boas como essa. Piece Of Mind, marca a metade do disco, e as coisas se tornam mais climáticas e viajantes, o coro gospel que se torna cada vez mais atormentado, como se pedisse calma gritando, é curta e poderosa.
É incrível ver como uma nota se perpetua por vários acordes e faz com que a cinematográfica Siren Song seja uma mistura de drama, ficção e romance. Tudo em apenas 4 minutos, e a pop bjorkiana Dream´s Pearl, faz com que ouvir Bjork agora seja muito mais tranquilo.
A gama de instrumentos que aparece em Good Love e Two Planets, abre caminho para uma qualidade básica mas que se torna primordial nesse disco, a capacidade de Natasha de saber o que misturar na hora certa, seja de uma maneira mais calma ou de uma maneira mias pesada (Two Planets), sem perder um pé nas pistas de dança, mas de uma maneira incrivelmente nerd. Tambores anunciam o que já se sabia há muito tempo, será muito difícil ficar impassível diante desse disco.
Autobiográfica demais Travilling Woman, não dá esperanças pra se amá-la, mas essa sinfonia amarga nada mais é do que um grande conjunto de notas que transformam uma história triste em épica.
Ouvir TWO SUNS, é como estar diante de um daqueles filmes clássicos, que misturam cores, sentimentos, em uma coisa só. A quantidade de telas que são preenchidas com as mais diversas matizes, sejam elas coros memoráveis, batidas eletrônicas, baixo , bateria, violão ou palmas é de uma grandeza infinita. Se Glass é a cena de abertura, The Big Sleep é aonde os créditos estão correndo pela tela, magnífica barroquiana de fechamento mais do que lírico, com a ajuda de Scott Walker.
O novo disco de Natasha Kan é um daqueles em que a cada audição descobre-se uma nuance, um som diferente, muda de interpretação a cada hora do dia...nada mais justo pra uma das mais belas e inteligentes vozes atuais.........
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